Mainardi é minha Anta

“A grande mídia é golpista e tendenciosa!”. Ela direciona o foco para aquilo que quer e manipula a opinião pública sem deixar explícita a própria opinião ou o porquê de sua atitude. Ela se auto-declara “isenta”, muito embora saibamos que este quesito não existe. Ela é muito bem organizada e articulada. Há pessoas muito inteligentes trabalhando nela e o foco, seja ele qual for, é fruto de algo elaborado, às vezes nem tanto. Muitos usam essa frase citada no começo do texto, inclusive eu. É uma tese que defendo, mas tenho dificuldades para encontrar exemplos para ilustrar o raciocínio. Eis o exemplo que aguardava.

Inicialmente, não tem a ver com enxergar o Brasil com otimismo ou pessimismo. É possível dosar ambos e enxergá-lo com esperança, mas ter senso crítico suficiente para não descambar para nenhum dos extremos é fundamental para não cair em armadilhas da mídia, cujo modelo vigente funcionou bem por muito tempo, mas as coisas mudam, a realidade muda e a realidade do Brasil tem se modificado ao longo dos últimos anos. A grande mídia sempre foi “o filtro” e o que não é noticiado por ela, não é fixado no imaginário da opinião pública de um modo geral, logo tende a não ser “verdade”. Felizmente, como se diz por aí: shit happens. O modelo já começa a dar sinais de que algo não vai bem. Foi o que percebi quando vi o vídeo no qual a CEO de uma das maiores redes de lojas de varejo do país desconcerta os apresentadores de um dos programas mais queridos das classes A e B e o mote vira hit na internet. #gênio.

Luíza Trajano (presidente do grupo Magazine Luiza) foi recentemente entrevistada no programa Manhattan Connection e, por sua vez, confrontada com a própria síntese do pessimismo (em todos os sentidos, inclusive profissional): Diogo Mainardi. Digo péssimo porque Mainardi é um personagem que figura no “jornalismo”, mas não é jornalista. É filho de publicitário, mas não atua na publicidade. Diz-se que é escritor (?!?), mas, na verdade, a profissão de Mainardi é ser comentarista em TV e revista. Não sei se isso é profissão. Até aí, problema nenhum. Porém, Mainardi ganhou espaço na grande mídia por ser polêmico (?!?) e para por aí.

Mas algo deu errado na fórmula pronta da Globo, a coisa ficou tão evidente que Mainardi acabou desnudado. Tentou “emparedar” Luiza de várias formas, mas se esqueceu de ler e se informar à priori. Por não ter feito a lição de casa, Mainardi (que se auto-intitulou: “o copo vazio”, e nisso ele tem toda a razão) deu várias gafes durante o debate. Como garoto mimado que é (e amparado pelo empregador), tentou de todo modo enfiar goela abaixo suas afirmações de que “os juros aumentaram”, “o crédito diminuiu”, “a inadimplência aumentou pelo segundo ano consecutivo”, “a inflação aumenta”, “a indústria nacional foi sucateada”, etc. Perguntou quando Luiza irá vender sua empresa para a Amazon. Disse ainda “eu não vejo caminho pro varejista brasileiro”. E como bom vidente que é, disse que “se ainda não há crise, vai haver”.

Luiza, porém, foi bastante hábil. Comentou sobre a questão da inadimplência do varejo, que, segundo ela, diminuiu (depois foi amplamente confirmada pela própria grande mídia). Explicou que o setor varejista é um mercado bastante promissor e também mostrou dados interessantes de que tenho certeza que os espectadores do Manhattan Connection não conheciam: apenas 8% da população tem TV de tela plana (acredito que de LCD, LED, etc.). 54% tem lavadora de roupas em casa. Enfatizou também a ação do governo federal como o Minha Casa Minha Vida enquanto alavanca para proporcionar infra-estrutura necessária para a organização dessa fatia específica da sociedade, consumidor em potencial. Já Mainardi soltou um “me poupe, por favor, Luiza, hehehe” quando esta se ofereceu para lhe enviar dados sobre o que ela estava defendendo. O escritor (?!?) não gosta de ler.

Luiza levantou os problemas em relação à burocracia brasileira, mas que o aumento de vendas no varejo é uma tendência mundial, que a Amazon, inclusive, pretende criar lojas físicas. Esse fato, no Brasil, significa, que vale a pena investir em melhoria na infraestrutura das classes mais baixas, pois são as que tem bom poder de consumo e potencial em contribuir para o aquecimento da economia e isso é fato comprovado, com base nos dos últimos anos. Luiza, após ser questionada por Ricardo Amorim acerca do baixo crescimento do varejismo em relação a outros setores, afirma que o mercado de vendas no varejo é novo e está praticamente começando no país, que é o setor que mais gera emprego depois do governo (um dos maiores empregadores). Considerei este dado muito importante e acredito que muitos o desconheçam já que a grande mídia sempre coloca a indústria como grande empregadora, em especial as montadoras, que são estrangeiras, além de “queimar” os sindicatos, enfim, sacou a manipulação?

Lucas Mendes foi obrigado a concordar com Luiza, fez o mea culpa, meio na base do “eu acho que” e mudou o foco do debate, perguntou acerca da segurança nas compras on line feitas no Brasil e depois sobre o atendimento ao cliente. Luiza comentou sobre ambos os assuntos e foi novamente surpreendida por Mainardi dizendo que o problema no Brasil é preço, que no “Brasil tudo custa três vezes mais”, justamente no momento em que ela explicava uma situação presenciada numa farmácia em Nova Iorque sobre atendimento ao cliente e que não tinha nada a ver com preço. Mais uma gafe, mas que se tornou um momento divertido no programa e, mais uma vez, Lucas Mendes vem em socorro da entrevistada e cita uma escritora estadunidense que afirma a importância do atendimento em detrimento do preço, corroborando com o comentário de Luiza.

E Luiza é uma senhora simpática, respeitada, com linguajar mais popular, amiga da presidenta Dilma, mas é, antes de tudo, capitalista, dona de uma rede de lojas, empreendedora, próspera e tem como público-alvo o consumidor de classe B e C emergente. É afinada com o governo federal, mesmo porque o setor no qual ela atua sai beneficiado. Sim, ela tem seus interesses. Uma vez tive problemas ao comprar no Magazine Luiza, fui muito bem atendido e meu problema foi prontamente resolvido. Luiza é uma capitalista, mas a empresa dela me tratou com respeito.

Já Mainardi é minha Anta, não aprecio a pessoa dele, bem como não sou fã do Manhattan Connection. Nas poucas vezes em que assisti a esse programa, percebi que existe um script. Se Mainardi não é bem informado, não fala bem, não é lá muito polido, então qual a função dele no programa? A resposta que me ocorre é que Mainardi é algo como um bobo-da-corte. Um arquétipo que se contrapõe aos demais apresentadores. Alguém que fala justamente para ser contestado. É o Didi do Manhattan Connection, ou seja, uma Anta. Digo isso pois ele teve o mesmo comportamento em outro episódio, o mesmo comentário sem-graça, no mesmo timing e no mesmo momento do programa. Coincidência? De todo modo, qual o problema dele ser uma Anta? Um brasileiro que vive em Veneza (coincidentemente a cidade ícone das máscaras da Commedia Dell’Arte) bancar o bobo na TV paga para um público que o adora? Quantos brasileiros gostariam de ser uma Anta como ele? Mainardi, como ele mesmo disse, é uma personificação, um personagem pago para tal e que usa uma máscara: a de alguém que olha de longe o Brasil com desdém.

Mais anta é quem acredita.


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