Xenofobia é um mal presente na humanidade. Ela está, como sempre esteve e, provavelmente, sempre estará, presente no comportamento humano. Faz parte do ser humano. Mas isso não significa que o mal deva ser incorporado à personalidade humana e transformar-se em regra de conduta.
Tweets preconceituosos publicados por Mayara Petruso provocaram reação da tuitosfera na noite de 31 de outubro de 2010.Apesar do Brasil querer se mostrar como um país em que não existe o preconceito, é fato notar que o mesmo existe e é bastante acirrado e sob várias formas: preconceito de raça/etnia, credo, gênero e também por região geográfica, sendo este último bastante envidenciado na rede no dia 31 de outubro de 2010, no final da apuração das eleições que deu vitória à candidata Dilma Rousseff, causando indignação dos eleitores de seu oponente, o candidato José Serra. Entretanto, alguns destes extrapolaram.
Comecei a perceber uma certa movimentação no Twitter, vários tweets utilizando a hashtag #nordeste. Naquele momento, fiquei sem entender o que estava ocorrendo e fui entender melhor só no dia seguinte. Uma usuária postou mensagens ofensivas, se referindo aos nordestinos de forma pejorativa. Ela e outros usuários, diga-se de passagem, mas foi o dela que acabou tendo maior repercussão.
A garota, Mayara Petruso, estudante de direito, classe-média-alta, incomodada com o resultado das eleições, resolveu culpar os nordestinos pela derrota de seu candidato com frases como “BRASILEIROS AGORA FODAM-SE! ISSO QUE DA, DAR DIREITO DE VOTO PRA NORDESTINO” e “Nordestino não é gente, faça um favor a Sp, mate um nordestino afogado”. O efeito colateral disso foi enorme e a hashtag foi parar nos “Trending Topics” brasileiro, causando repercussão em nível nacional e, claro, tornando-se pauta dos principais veículos de comunicação. A estudante chegou a apagar os tweets e deletou seu perfil na madrugada. No dia seguinte, outra hashtag #orgulhodesernordestino surge nos “Trending Topics Wordwide” como reação ao ocorrido.
Tweets preconceituosos publicados por Mayara Petruso provocaram reação da tuitosfera na noite de 31 de outubro de 2010.É impressionante observar como as manifestações tomam corpo quando são disseminadas no Twitter. O próprio candidato José Serra conseguiu na justiça algo inimaginável às vesperas da eleição: direito de resposta no Twitter. Esta aplicação web é, sem dúvida, um divisor de águas na história da rede, dados os inúmeros casos ocorridos no mundo real a partir de informações postadas nele. Acredito que o sucesso da disseminação da informação, e respectiva reação, se dê pelo mesmo ser usado em “território híbrido”, ou seja, todos tem acesso, independentemente de onde são e esse foi o grande erro da ingênua estudante que, provavelmente, deve estar acostumada a dizer frases como estas em seu circulo de amizades e de convívio, mas quando replicou-as no Twitter, a informação foi além do seu círculo, atingindo usuários que não concordam com as mesmas. O efeito contrário veio à tona e muito mais forte, amplificado conforme o número de usuários revoltados com o ocorrido.
Mas voltando a questão da xenofobia, esta quando disseminada na rede, tomou um corpo muito maior do que se tivesse apenas sido veiculada em jornais ou programas de televisão. Na verdade, a veiculação desta notícia na grande mídia apenas a consagra como uma notícia digna de ser veiculada, mesmo porque ela já se tornou notícia muito antes de ser reconhecida como tal na grande mídia.
É uma pequena amostragem de como se comporta o cidadão de classe-média-alta, reacionário, preconceituoso. É claro que, felizmente, existem as exceções, mas este é, grosso modo, o perfil deste cidadão, que traz esse preconceito já há décadas, por conta da migração nordestina, em especial na cidade de São Paulo, é cultural. É uma ideia já um tanto antiga e fora de moda, pois São Paulo é uma cidade do mundo e a migração, atualmente, vem de todas as partes do Brasil e também de outros países da América do Sul, como Bolívia e Peru, além dos coreanos, que literalmente, invadiram a cidade, mas, por algum motivo, a migração nordestina ficou no imaginário do cidadão paulista/paulistano.
Tweets preconceituosos como os publicados por Mayara Petruso provocaram reação da tuitosfera na noite de 31 de outubro de 2010.Já houve na história manifestações preconceituosas até de políticos como o caso de Ronaldo Caiado, citado no livro do Fernando Morais sobre a W/Brasil “Na Toca dos Leões”, no qual o mesmo propõe “esterilizar os nordestinos”. Me lembro quando contei esta história a um antigo amigo, hoje apenas um conhecido, que, de pronto, disse pelo MSN: “kkkkkkkkkk Ronaldo Caiado pra presidente!!!”. Isso não quer dizer que estas pessoas irão de fato sair por aí esterelizando, afogando, matando nordestinos e afins; até porque não teriam coragem para tal. Mas, sentados diante do computador, no aconchego do lar, conectados a outros tantos iguais, cultivam estas ideias. Mas, enganam-se, vale dizer que São Paulo é o que é, graças a migração nordestina, os prédios que a ingênua estudante contempla em seu blog foram construídos às custas do suor, em grande parte, dos nordestinos que, não apenas se mudaram para São Paulo, mas também foram trazidos a São Paulo, atraídos pela falsa perspectiva de uma vida melhor. Da mesma forma como os brasileiros de classe-média aventuram-se em terras estrangeiras, como os EUA, Europa etc.
Xenofobia é assunto recorrente, mas a novidade é a repercussão pela rede. Na minha opinião, é muito bom que ocorra fatos como esse, pois nos faz refletir melhor sobre o preconceito e como as ideias, atos e iniciativas fluem na mente de pessoas de determinadas classes sociais. O Twitter nos permite adentrar em certas “regiões” sociais que antes eram impossíveis.
De outro modo, espero sinceramente que este caso continue repercutindo e que as autoridades tomem providências acerca da atitude desta estudante, acadêmica de um curso de direito e que, só por isso, deveria ter mais cuidado ao se referir ao povo de seu país. Este é também um excelente estudo de caso a ser abordado nos cursos de direito: a ética do acadêmico, que será o futuro advogado, juiz, desembargador. Como estes profissionais pretendem conduzir suas respectivas carreiras se não conseguem sequer resolver questões de foro íntimo. Brotadas, provavelmente, no seio familiar, a partir da conduta dos pais e familiares. Sem dúvida, um assunto muito bom para refletir.
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