O mercado do rock descobriu o óbvio

Hoje apareceu para mim o clipe “When The Sinner”, do Helloween, da época do Michael Kiske, na fase mais pop da banda, um pouco antes do fim, na minha opinião. Comecei a pensar no assunto: bandas com uma determinada pegada resolvem “tentar” se vender ao mercado pop e se dão mal. Celtic Frost fez isso, foi fatal. Outras tantas fizeram, até Metallica. Foi fatal, na minha opinião. Mas, nesse caso, o público que nem conhecia Metallica, abraçou a ideia. Deu certo, Bob Rock sabia o que fazia.

Metallica conseguiu. Helloween, não. Como eu disse, foi fatal. Custou a cabeça de Kiske e, de uma certa forma, a vida de Schwichtenberg. Uma pena. Uma perda irreparável, o mercado não poupa ninguém. Sim, o mercado. Afinal, é pouco provável que toda a mudança e investimento tenha ocorrido somente pela iniciativa dos jovens músicos. Claro que não, o mercado apostou nisso.

É uma pena que a arte esteja tão dependente do mercado. Muita coisa boa sucumbiu aos caprichos do mesmo. Caprichos estes que Kiske insistiu em levar adiante, com seus diversos projetos mal sucedidos ao longo dos anos, os quais praticamente não conheço.

Porém, o mercado entendeu que a nova fase do pop é resgatar o que os anos 80 tinham de bom: tentar juntar os caquinhos e ressuscitar o que o próprio mercado tratou de matar nos anos 90. Iron Maiden entendeu o recado bem antes da maioria e tratou de repatriar Bruce Dickinson. O quinteto virou sexteto e deu muito certo do ponto-de-vista do mercado. Mesmo fazendo um sonzinho fraco e enjoativo, a banda fez algumas visitas ao passado e trouxe muitas alegrias aos fãs. Se reinventou, inventou uma forma diferente de fazer turnês e conseguiu até emplacar o repertoriozinho de novos álbuns dos últimos anos. Apesar da atual fase, nunca romperam com o passado como o Helloween ou Celtic Frost quiseram fazer. Como o Metallica fez, apesar do êxito. Vale lembrar que Metallica também revisitou o passado, meio que obrigatoriamente após os sucessivos fracassos de Load, Reload, etc.

Cartaz da turnê do show do Helloween em 2017 Cartaz do lançamento da turnê do Helloween no Brasil em 2017 com participação de Michael Kiske e Kai Hansen. Foto: divulgação

E o mercado, não tendo mais “novidades” a explorar, resolveu seguir o caminho do Iron Maiden: foi revisitar o passado. Quantas e quantas bandas trataram de se reunir novamente? Até Helloween, quem diria? E se reuniram meio que no estilo Maiden, juntou todo mundo pra fazer uma grande festa. O público daqui adorou, ingressos quase esgotados um ano antes da apresentação. Meses atrás resolveram trazer Ronnie James Dio de volta à vida, ainda que em forma de holograma. Mas ele estava lá, emocionando o público novamente como sempre fez em vida.

Isso é uma coisa boa, não nego. Recordar é viver. Muita gente, inclusive, nem era nascida nesse tempo. Vai recordar o que não viveu e vai achar lindo, porque foi linda essa fase e será eternamente linda. Uma pena que ela retorne à tona pelo viés do mercado. Não sei se prefiro isso ou visitar os túmulos das bandas que se foram. Na verdade, isso me remete às bandas que nunca se foram e estão aí até hoje.

Um exemplo inusitado de uma dessas bandas que nunca se vendeu e praticamente criou um estilo dentro do Metal é o do Venom (essa banda é sempre inusitada). Cronos não se dá com os antigos membros, Mantas e Abaddon. Ele seguiu com a banda, tentou reunir a formação clássica em algum momento, mas não deu certo. Eis que os dissidentes resolvem criar o Venom Inc, um outro Venom sem o Cronos, com Demolition Man nos vocais (antigo membro do Venom sem o Cronos, enfim). Como eu disse, é inusitado e muito válido. Agora temos dois Venoms. Duas bandas com base naquela dos anos 80, no melhor estilo underground, que nunca abandonaram as raízes e nem a disposição. Já pensou se a moda pega?

Aqui na terrinha, vale citar o Dr. Sin, um exemplo em vários sentidos, foi uma banda que virou as costas ao mercado, quando o mesmo exigiu que assumissem um viés mais pop, letras em português, etc. A banda rompeu com a gravadora e lançou Brutal, um trabalho independente e considerado um dos mais criativos da trajetória do grupo, que se recusou a romper com os fãs. A banda morreu por outros motivos. Conflitos de ego, talvez, mas nunca perdeu o apreço dos fãs. O Golpe de Estado, há 30 anos, quase acabou por conta da morte do Helcio Aguirra, mas resolveu continuar. Aproveitou o momento, fez um show recentemente e resolveu convidar Catalau (o eterno frontman) para fazer uma participação especial. Não pude comparecer, mas soube que o show foi lindo, emocionante.

Demorou, mas caiu a ficha. A moda agora é “ressuscitar os mortos”, no bom sentido do termo, juntar os integrantes, relembrar os tempos idos. Fico em dúvida se foi a ficha que caiu ou se foi o universo que conspirou a favor. É um movimento forte, não creio que o mercado possa controlar isso. Resiliente que é, o mercado não é bobo, resolveu aderir e colaborar para que pudéssemos ter o alento dos bons tempos, da época de ouro do metal, do rock. Não me iludo. Não acho que isso venha pra ficar. Mas vai ser muito bom enquanto durar.


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