Sobre o “Mercado” e os “direitos” do consumidor

O título deste pode ser um tanto “pomposo”, já que trata de um caso isolado. Bem, isolado entre aspas, pois testemunhei que várias pessoas tiveram o mesmo problema que o meu. Talvez não seja um caso tão isolado assim. Mas traz à tona, ao mesmo tempo, a irresponsabilidade da pessoa-jurídica e a conivência do serviço que defende os direitos do consumidor pessoa-física (ou pelo menos deveria). Pude perceber isso hoje (16/11/2010), e foi bastante desagradável constatar esta “parceria”.

Confesso que nunca (ou quase nunca) havia tido quaisquer problemas com atraso na entrega de faturas, boletos e demais contas pelos Correios. Tudo sempre chegou no meu endereço com a devida antecedência e se algumas destas não foram quitadas na data correta, foi por negligência minha. Entretanto, depois de me mudar para a cidade na qual resido atualmente, desde março de 2009, tive alguns problemas por conta de boletos entregues em atraso. Foram casos isolados, mas, dentre eles, o campeão é o da Unimed Inconfidentes, convênio médico ao qual eu e minha família fazemos parte.

Unimed Inconfidentes Unimed Inconfidentes atrasa entrega de boleto de cobrança e, por lei, se exime de qualquer responsabilidade. Os boletos da Unimed Inconfidentes são entregues pelos Correios e os recebo sempre em cima da hora, muitas vezes no mesmo dia, às vezes apenas com um ou dois dias de antecedência. A sorte é que utilizo o serviço de Internet banking para quitá-los. Em outras situações, tive de ir pessoalmente ao escritório regional da Unimed e solicitar segunda via, já que a entrega do mesmo atrasou, lembrando que, certa vez, nem chegou a ser entregue. Entendo que este não deve ser considerado um “caso isolado”.

No mês passado, por descuido meu, a conta acabou não sendo quitada na data correta. Tive de solicitar um novo boleto e quitá-lo em dinheiro numa empresa de crédito, pegando fila e com todo aquele aborrecimento costumeiro. Já neste mês, a respectiva fatura chegou com nada menos que quatro dias de atraso, numa sexta-feira, quando fui olhar a caixa de cartas por volta das 17h. Não seria possível quitar o débito nem se quisesse/pudesse ir ao banco. Hoje (16/11/2010) fui à Unimed, expliquei o ocorrido e a funcionária me disse que posso solicitar o boleto via internet sem a necessidade de esperar a entrega física do mesmo pelos Correios e que, tendo esta alternativa, a Unimed não se responsabiliza pelo não pagamento do mesmo e, obviamente, não abre mão da multa nem tampouco dos juros.

Não sei o que você, leitor(a), acha disso. Eu fiquei estarrecido. A funcionária foi obrigada a ouvir todo aquele discurso de consumidor consciente e ciente dos seus direitos e deveres, que está sendo lesado no seu direto e etc. etc. etc. Ela me orientou a escrever uma carta de próprio punho que seria enviada à sede da Unimed Inconfidentes e só. Escrevi a tal carta e disse que iria procurar os meus direitos. Depois de receber um novo boleto (com a devida multa/juros) e quitá-lo na empresa de crédito. Lembrando que, na fila do caixa, havia um senhor com o mesmo problema que o meu e uma mulher, que estava lá por causa de uma duplicata do banco que também não havia sido entregue (coincidência?).

Mais tarde, liguei no escritório do Procon-MG da cidade em que resido e, se eu já estava estarrecido, fiquei perplexo quando a funcionária me disse: “infelizmente, quando a empresa dispõe de outra forma de acesso ao documento de pagamento (como a internet), o Procon nada pode fazer, é a lei”. E disse ainda: “não somos nós que criamos a lei”.

Digo novamente, não sei o que você acha disso, leitor(a). Eu acho um tremendo absurdo a empresa não se responsabilizar pela entrega física do documento de pagamento e atribuir a responsabilidade a terceiros (banco, correios etc.). Se é algo corriqueiro e existe uma solução paliativa, porque não informaram por meio de algum comunicado? Não houve nenhum informe sequer e os clientes, acredito que a grande maioria, não sabem disso! E o Procon é conivente? Sinto muito, não concordo com isso. Não sei qual é a lei que favorece a negligência de empresas como a Unimed Inconfidentes, mas seja qual for, lesa o consumidor e o Procon não deveria ser conivente com uma lei que estimula o prejuízo ao consumidor. Leis são leis, mas não sou obrigado a concordar com elas, principalmente quando ferem os direitos do consumidor. Uma pena que o Procon não pense da mesma forma.

Felizmente, a muleta de um pode ser arma do outro. Registrei duas reclamações no site Reclame Aqui, uma contra a Unimed Inconfidentes, pela negligência e desrespeito ao cliente e outra contra o Procon-MG, pela conivência com situações como essa.

Analisando por outro viés, é interessante observar como as empresas, de um modo geral, utilizam a internet e oferecem/impõem soluções “alternativas” às tradicionais. São soluções simples, práticas e relativamente baratas (a geração de boletos on line, por exemplo). Mas é mais interessante perceber o quão pouco (ou quase nada) as mesmas investem em informação ao cliente, avisando sobre essas “comodidades”, caso ocorra algum contratempo. De todo modo, é uma solução, que favorece à minoria. Há pessoas que não tem acesso à Internet (diga-se de passagem, são muitas). Nesse caso, o cliente gasta com transporte público, enfrenta fila, perde um tempo desnecessário, para sanar um problema que não foi criado por si próprio. Em outras palavras, a empresa investe pouco e cria uma solução barata que a exime de qualquer responsabilidade perante a lei. Perceba que este é um exemplo de mau uso da internet. Uma falha que lesa o consumidor e é amparada pelo poder público, e defendida pelo Procon, claro.

A exemplo dos bancos, quanto custa investir em auto-atendimento na internet em detrimento do atendimento presencial? Quanto o banco economizará com funcionários, equipamentos e infra-estrutura para cada cliente que optar por utilizar o Internet banking? Claro que isso favorece o cliente, desde que o mesmo esteja consciente dos mecanismos de uso da tecnologia. Do contrário, isso se torna uma armadilha e, fatalmente, o cliente acaba pagando a mais por isso.

A tecnologia está cada vez mais inserida na sociedade como um todo, isso é benéfico, mas é obrigação das mesmas investir em informação, auxiliar os clientes, ou seja, favorecer o acesso à tecnologia, mostrando todos os benefícios que ela pode oferecer, que são muitos, e não torná-la uma “armadilha” para clientes desavisados ou um mero paliativo que a exima de qualquer responsabilidade perante a justiça. Essa é uma forma predatória de gerar receita que traz mais prejuízos que benefícios. Há que se modificar este conceito mesquinho, transformando esclarecimento em satisfação do cliente. Insisto, uma pena que o Procon não pense da mesma forma.


Publicado

em

, ,

por

Comentários

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *

Esse site utiliza o Akismet para reduzir spam. Aprenda como seus dados de comentários são processados.